Tão comum quanto batatas

Valéria Rezende
6 min readApr 19, 2019

Não era nem 11 horas, mas minha insegurança em fazer o almoço sempre me faz preparar antes. Já estava quase tudo pronto. Queria fazer legumes, sentia falta. Isso tinha de monte na minha casa. Mas era um pouco mais difícil do que imaginava.

Não levava jeito com descascar batatas. Eu tirava mais do que devia, era isso que percebia.

Enquanto estava nesse dia comum, fazendo coisa mais comum ainda, me veio um relance. Eu estava ali descascando, e pensando que poderia ter um jeito um pouco mais simples. Pensando no quanto aquela tarefa não era nada legal, mas ao mesmo tempo, ainda animada pelas minhas novas descobertas na cozinha.

Estava olhando para a faca, morrendo de medo que pegasse, sem querer, na minha mão, achando que não levava jeito, outra vez. Tudo isso em poucos minutos passando pela minha cabeça, e eu pensando: “não vou murmurar, que bom que estou aqui, vou fazer isso tudo pra glória de Deus. Como para Deus e não pra homens.”

Quando perguntei, ousadamente, de um jeito como nunca antes:

“Hey, Jesus, você já descascou batatas?”

Antes que ele respondesse, eu ri. Que coisa maluca de eu pensar. Um Deus descascando batatas para colocá-las no fogo. Até parece.

Estava perguntando isso, como quem diz: “Jesus, não me leve a mal, mas se você já descascou batatas sabe que não dá pra fazer isso com o coração cheio de alegria. Você vai me entender. Duvido, se você quando descascava andava por aí feliz e agradecido.”

Coincidentemente (ou não), mais tarde, no mesmo dia, estava lendo alguns estudos da Palavra e a temática me surpreendeu: a humanidade de Jesus. Um Deus-homem comum. Da manjedoura para o mundo.

Um Deus-homem sem nada especial, podemos assim dizer. Apegado à tarefas simples também, como as minhas batatas. Um Deus que não despreza a preciosidade das pequenas coisas. Que se detém da alegria delas.

Sabe, Deus Pai teve uma ideal excepcional ao enviar Jesus. Ele nos conectou de uma forma como nunca antes. Jesus é nossa oportunidade de vermos a nós mesmos em Deus. E receber Deus em nós. Uma identificação sublime. Uma empatia incomparável.

Me falta lembrar de Cristo assim. De um Cristo amigo, que vai olhar pra mim e dizer:

“Eu já passei por aí, sei que dói”

“Wow, bater os pés bem na quina, difícil mesmo.”

“Isso mesmo!É um verdadeiro exercício conter o que queremos falar a quem nos destrata.”

“Sim, descascar batatas não era minha tarefa predileta.”

Entender isso é como encontrar uma chave meio absurda. Um dilema bonito de ver: quanto mais você entende mais você percebe que é uma compreensão que não pode ter sentido.

Um Deus que larga os céus pra ser um menino numa manjedoura, um Deus que sai da presença de anjos e querubins pra ser um bebê precisando de cuidados e leite materno.

COMO EU NUNCA PENSEI NISSO ANTES?

Pense bem: não precisava! Ele poderia ter vindo adulto, aos 30. Exercer os 3 anos de ministério e pronto. Mas Ele quis, Ele quis ser um bebê. Essa mensagem é sobre amor. Não tem como nos apegar a ele de forma religiosa, ou baseada em apenas um temor e respeito, quando pensamos que Ele não veio de forma glorificada, mas de forma comum. Dignamente real numa manjedoura. Um Deus que ainda não sabia falar. Que teve que aprender todas as coisas, se submeter a uma família, e começar tudo do zero.

Olhar pra Jesus assim me deixa mais aliviada. Aconchegada também é boa palavra. É como se sua realidade não fosse tão distante da minha, como se encontrássemos ponto em comum, temos muito em comum! Ele sentiu minhas próprias emoções, de alegria à tristeza. Também experimentou as limitações corporais. Ele definitivamente foi uma pessoa.

Jesus se familiariza comigo, isso muda as regras do jogo, especialmente a forma como eu olho pra mim mesmo.

Perceba: o Deus que se deitou na manjedoura, não é um Deus disfarçado ou só por um tempo, mas assim como mostrou a Tomé, até esse momento Ele permanece homem, e carrega cicatrizes. Memórias de uma evidência humana! Assim como nós todos.

O amor fez Deus se submeter a vir a terra, e como um bebê. Sem nenhuma oportunidade distinta, ou privilégio. Ao contrário, nascido no meio de animais, num estábulo. Jesus experimentou essa vida comum,e essas dores diárias, Ele viveu exatamente como a maioria de nós: num contexto nada privilegiado, numa situação mediana. Sem nenhum ponto de destaque ou alardes assim.

Experimentar Jesus é ser envolvido pela confiança de sermos compreendidos, e mais que isso, justificados. Por um verdadeiro mediador, que foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança. Um mediador que esteve por aqui e sabe do que estamos falando. Nosso intercessor perfeito.

Existe uma citação que muito me emociona, dizem ser de Napoleão Bonaparte:

Tudo em Cristo me surpreende. Seu espírito me intimida, e sua vontade me confunde. Entre ele e ninguém mais no mundo não há termo de comparação possível. Ele é realmente um ser por si mesmo. Suas ideias e sentimentos, a verdade que Ele anuncia, sua maneira de convencer, não são explicados por organização humana ou pela natureza das coisas. Quanto mais próximo eu me achego, mais cuidadosamente examino, tudo está acima de mim; tudo permanece grande, uma grandeza que se sobrepõe. Sua “religião” é uma revelação de uma inteligência que certamente não é humana. Existe uma profunda originalidade que criou uma série de palavras e poderes antes desconhecidos. Jesus não usou nada da nossa ciência. Pode-se absolutamente encontrar nada, mas só nele, a imitação ou o exemplo de sua vida[…]. Eu procuro em vão encontrar na história alguém semelhante a Jesus Cristo, ou qualquer coisa que pode se aproximar do evangelho. Nem a história, nem a humanidade, nem a idade, nem a natureza, oferece-me qualquer coisa com a qual eu seja capaz de compará-lo ou explicá-lo. Tudo é extraordinário. Quanto mais eu considero o evangelho, mas eu estou certo de que não há nada nele que não está além do curso dos acontecimentos, e acima da mente humana.

Jesus é um verdadeiro escândalo para todos os tempos e para todos os níveis de compreensão humana que exista.

Um Deus que eu posso me achegar sem medo. Que tem entranháveis afetos e considerável identificação com quem eu sou, com quem nós somos. Meu irmão mais velho, que experimentou a vida como eu venho experimentando, mas que de antemão a venceu. Que veio pra redimir todas as coisas, mas para isso se humilhou, despindo-se de sua autoridade enquanto Deus, submetendo-a a Seu Pai, que o exaltou para toda a eternidade. Esse Jesus não me deixa mais a vontade por não ter exortações sobre mim, não, não é sobre isso. Ele me dá confiança. É sobre esse ponto! A confiança para expor minhas dores mais profundas, e também pra ouvir dele os puxões de orelha que preciso. Mas tudo isso, como aconchegado. Me fazendo entrar em confiança no lugar que o Pai está, no trono da graça que agora é acessível a mim, tudo por causa da dor dele. Porque um dia Ele veio em forma humana, e com mãos como as minhas trabalhou. E com pés como os meus, se cansou. Tudo porque Ele se curvou para ser homem com o eu, e isso significa se limitar na grandiosidade que Ele é. Mas, mesmo assim, de forma incrível, mostrou como dá pra ser elevado mesmo nessa figura que somos. Deixando o maior encorajamento de todos os tempos, que não foi um manual, mas uma vida, vida esta deixada a nós como exemplo. Um pontapé do que podemos fazer e ser. Um Deus que sabe que não é simples descascar batatas.

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